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São tempos sombrios para os jornalistas

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Casos de violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa no Brasil veem crescimento de 54%.

De acordo com um levantamento feito pela rede Voces del Sur em parceria com a Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), só mês de janeiro de 2020, foram registradas 38 agressões contra os jornalistas na América Latina. No ano de 2019, registros do Relatório de Violência da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), mostram que cerca de 114 foram os casos de descredibilização da imprensa e 94 de agressões diretas a profissionais, totalizando 208 casos de violência. O número é 54,07% maior do que o registrado em 2018, quando ocorreram 135 casos de agressões a jornalistas.

 

O relatório da Fenaj indica ainda que além do número geral de casos de violência contra jornalistas e ataques à liberdade de imprensa ter crescido em 2019, também cresceu o número de assassinatos, a violência extrema contra a categoria. Os jornalistas Robson Giorno e Romário da Silva Barros, ambos com atuação em Maricá (RJ), foram assassinados. Em 2018, havia ocorrido um assassinato e em 2017 nenhuma morte em razão do exercício profissional fora registrada.

 

No dia 03 de maio, quando se celebra o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, os brasileiros acompanharam mais um episódio de agressão, desta vez contra a equipe do jornal O Estado de S. Paulo, durante uma manifestação antidemocrática que contou com a presença do presidente da República Jair Bolsonaro. Os profissionais foram atingidos pelos manifestantes com chutes, murros, empurrões e rasteiras enquanto cobriam o evento e ainda houve agressões verbais contra o motorista, equipe de reportagem e o fotógrafo.

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     Os políticos são os principais autores de ataques a veículos de comunicação e jornalistas. Eles são responsáveis por 144 ocorrências (69,23% do total), a maioria delas tentativas de descredibilização (114), mas também há registro de 30 casos de agressões diretas aos profissionais durante o ano de 2019. É necessário ressaltar que, sozinho, Bolsonaro foi responsável por 114 casos de descredibilização da imprensa, por meio de ataques a veículos de comunicação e a profissionais, e outros sete casos de agressões verbais e ameaças diretas a jornalistas, totalizando 121 casos, o que corresponde a 58,17% do total. 

 O jornalista e professor Unimep (Universidade Metodista de Piracicaba), João Turquiai Jr., lamenta a escolha por governar atacando a imprensa e seus profissionais de maneira deliberada e covarde e diz que entende os motivos.

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“O jornalismo tem a obrigação de revelar tudo o que é de interesse público, aquilo que pessoas, empresas e governos gostariam que fosse deixado de lado ou que sequer fosse notado. Governos alinhados a práticas ditatoriais mesmo que eleitos democraticamente sabem impor suas pautas, não lidam bem quando são lembrados que devem satisfação de todas as suas ações ou, ainda, quando questionados sobre assuntos caros ao país, como educação, saúde, gastos públicos, corrupção”.

Turquiai explica que o jornalismo bem feito sempre incomoda. “Por isso é perfeitamente compreensível que governos sintam-se incomodados pelo bom jornalismo, é do jogo. O que é inadmissível, no entanto, é não entender o papel da imprensa, não respeitá-lo, e ainda fomentar o ódio contra os profissionais que nela atuam”. 

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Protesto nos Estados Unidos da América, com a seguinte frase na placa: “Liberdade de expressão inclui a imprensa.”  Foto: Narih Lee / WikiCommons

 O editor do G1, Rodrigo Pereira, diz que a principal consequência desse tipo de ataque é minar a liberdade de imprensa. “O jornalista que está em campo, por si só, deve seguir com seu papel de questionar, apontar o que está errado e não se deixar intimidar por ataques verbais durante uma entrevista”.

 Ele também explica que, infelizmente, o problema é mais grave para veículos de pequeno porte. “Veículos de imprensa de maior porte têm capacidade de garantir essa liberdade de atuação ao seu jornalista. Pequenos veículos, no entanto, podem sofrer mais, já que muitos acabam tendo como principal (ou única) renda a publicação de editais ou publicidade de órgãos públicos da área de sua cobertura e podem ser intimidados com ameaças de corte desses repasses, por exemplo”, explica.

 As ameaças às empresas, segundo ele, também podem vir com tentativas de minar a credibilidade. “Mas isso pode vir de outras formas, como ameaça de corte de uma concessão, ou através de uma tática que vem se tornando comum: a autoridade pública alvo de matéria denunciativa passa a afirmar que aquele órgão de imprensa pública "fakes news", buscando colocá-lo em descrédito”.

Pereira defende que uma primeira ação para enfrentar esses ataques é a união da própria categoria. Ele informa que todo jornalista deve dar apoio a um jornalista e veículo atacados e apoiar pedidos de providências legais. Em tempos nos quais a efetividade de "notas de repúdio" é questionada, é preciso pensar que determinados tipos de ataque configuram crime.

 

Em sua opinião, a segunda coisa é manter o que uma grande fatia do jornalismo brasileiro tem feito muito bem: seguir publicando reportagens investigativas e críticas, com embasamento, e apontando o que está errado.

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“Apesar das crises que a profissão viveu nos últimos anos, com mercado ficando mais enxuto, migração do papel para outras mídias, entre outros fatores, o jornalismo do Brasil tem demonstrado força para seguir mantendo uma de suas principais características: o caráter denunciativo”.

Turquiai reforça que a estratégia de estimular a violência contra aqueles que são considerados inimigos parece ser prioridade dos integrantes do atual governo desde que tomou posse. A dificuldade, na sua avaliação pode ainda crescer. “O tom dos ataques será elevado à medida que o governo colecionar fracassos, quando seu posicionamento frente à pandemia não tiver a aderência que ele considerar necessária, quando as fake news criadas por palacianos ou apoiadores não prosperarem, quando as manobras para proteger os interesses da família não forem bem-sucedidas e por aí tem ido”, observa. 

A jornalista e secretária de sindicalização da SJSP (Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo), Lílian Parise afirma que há muitos anos, o SJSP tem posição firme e radical contra qualquer tipo de agressão, física ou verbal, aos trabalhadores de imprensa. Em 2013, Parise conta que era uma época de manifestações contra o aumento da tarifa de transportes:

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“Um repórter fotográfico acabou atingido por balas de borracha e infelizmente perdeu a visão de um olho, criamos a campanha “Violência Contra Jornalistas, Atentado à Democracia”.

Essa campanha foi intensificada em 2016, nas manifestações de rua promovidas por grupos a favor e contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff, que resultou no golpe político, jurídico e midiático, em que o SJSP trabalhou muito, com plantões rotineiros para receber denúncias e apoiar profissionais ameaçados e agredidos, por entender que jornalistas são trabalhadores, devem ter seu trabalho respeitado e não podem, em nenhum momento, serem confundidos com as empresas para as quais trabalham.

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Protesto depois do assassinato de 11 pessoas de redação da revista satírica "Charlie Hebdo" em Paris no ano de 2015. Foto: Divulgação

Parise ressalta que a posição do SJSP é clara, o Sindicato respeita plenamente o direito que as pessoas têm de protestar contra as empresas de comunicação, mas sempre garantindo o respeito à integridade física e à liberdade de atuação do profissional de jornalismo. “Não é por acaso que temos uma história marcada pela luta democrática radical, desde a ditadura, já que, para ser exercido em sua plenitude, o jornalismo exige democracia e estado democrático de direito”, completa. 

Como medida para cessar esses ataques, Pereira revela que a primeira coisa que deve haver é a união entre a categoria. Ele informa que todo jornalista deve dar apoio a um jornalista e veículo atacados e apoiar pedidos de providências legais. Em tempos nos quais a efetividade de "notas de repúdio" é questionada, é preciso pensar que determinados tipos de ataque configuram crime. Em sua opinião, a segunda coisa é manter o que uma grande fatia do jornalismo brasileiro tem feito muito bem: seguir publicando reportagens investigativas e críticas, com embasamento, e apontando o que está errado.

Estimular a violência contra aqueles que são considerados inimigos parece ser prioridade dos integrantes do atual governo desde o dia 1º de janeiro de 2019, esclarece João Turquiai. Sobre um possível cenário futuro a respeito da tendência desses problemas contra a imprensa virem a crescer ou a diminuir, Turquiai descreve:

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“O tom dos ataques será elevado à medida que o governo colecionar fracassos, quando seu posicionamento frente à pandemia não tiver a aderência que ele considerar necessária, quando as fake News criadas por palacianos ou apoiadores não prosperarem, quando as manobras para proteger os interesses da família não forem bem-sucedidas e por aí tem ido.” 

Parise aconselha que não podemos perder a esperança, nem os futuros profissionais e nem os que já atuam no jornalismo, entretanto, é sempre bom ter consciência da realidade. É preciso lembrar, segundo ela, que principalmente nas grandes empresas de comunicação, a liberdade de expressão só existe plenamente para o dono do veículo: “É o velho chavão da liberdade de imprensa versus liberdade de empresa”.

Além disso, a jornalista diz que é válido realmente que as empresas chegam até a proibir que o jornalista se expresse fora de seu horário de trabalho, nas redes sociais, em petições públicas, manifestações ou atos. Para ela, isso mostra que, para o patronato, a única liberdade de expressão que vale é a sua, e os profissionais, que não têm essa liberdade enquanto trabalham, também não podem exercê-la na vida pessoal: “E só reforça o quanto a crítica, ou até o protesto contra as empresas, em nenhum momento pode se confundir com qualquer julgamento em relação ao jornalista”, esclarece.

Ela atenta de que é preciso prestar atenção ao fato de de que as empresas de comunicação detêm a plena “liberdade de expressão” dentro das redações, adotando linhas editoriais segundo suas convicções e interesses empresariais, políticos e econômicos, que são impostas aos jornalistas, por meio do poder diretivo vigente nas relações de emprego.

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“Basta citar o apoio à reforma trabalhista de Michel Temer - que precarizou ainda mais as condições de trabalho dos jornalistas, tentando legalizar inclusive a fraude da pejotização e provocando o aumento das demissões em massa -, além de adotarem uma postura editorial de uma parcialidade política gritante”, exemplifica a jornalista.

Sobre os inúmeros insultos, ofensas e xingamentos contra os profissionais, incluindo vários “cala a boca”,  Lílian sugere que o que cabe a nós, jornalistas, é de sermos radicais na resistência em defesa ao exercício profissional com segurança, da liberdade de expressão e de imprensa: “Até porque, como diz a campanha engrossada por quem tem compromisso com a democracia, cala a boca já morreu!”

Mulheres no jornalismo

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Protesto de mulheres contra a censura na época da ditadura no Brasil em que militares sequestraram e torturaram jornalistas e intelectuais da época. Foto: Uol

Pesquisa realizada em 2018 pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo), em parceria com a “Gênero e Número”, revelou que 84% das jornalistas já sofreram alguma situação de violência psicológica no trabalho, incluindo insultos presenciais ou pela internet, humilhação em público, abuso de poder ou autoridade, intimidação verbal, escrita ou física e ameaças pela internet. Além disso, 70% delas já se sentiram desconfortáveis após abordagens de homens no trabalho. 

 Relatório de Violência publicado pela Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), com dados de 2019 também indica que as jornalistas têm disso alvo constante de todo tipo de ataques e intimidação. O estudo mostra que 21,67% das mulheres já foram vítimas de algum ataque, ou seja, uma em cada cinco profissionais.

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 Recém-formada em jornalismo, Ana Clara Gaspareto lembra que, infelizmente, no Brasil ainda predomina uma sociedade patriarcal e machista. “Sei que todo mundo está cansado de ouvir essa frase, mas não tem como falar sobre isso sem começar reiterando esse fato, principalmente por atualmente termos no poder um presidente que, além de atacar a imprensa constantemente, também ataca as mulheres constantemente”, diz. 

 

Ana Clara enfatiza que as mulheres, em qualquer posição, precisam se mostrar duas vezes mais profissionais e mil vezes mais atentas, pois, serão julgadas por suas escolhas, opiniões e atitudes. “As mulheres ainda carregam consigo o estigma do sexo frágil, do segundo sexo, de ser submissa. A esposa, a mãe, a que cuida do homem, que vive em prol do sexo masculino. Com isso, o corpo da mulher, a figura feminina, ainda é vista como um objeto que existe para que o sexo masculino possa usufruir do jeito que bem entender”.

 Toda essa herança cultural acaba, em sua opinião, se reproduzindo em relação às jornalistas. “Não é diferente no meio jornalístico. Não é difícil vermos mulheres sendo desacreditadas, tendo suas opiniões diminuídas, mesmo quando são especialistas, quando estudaram para falar sobre o que estão falando. Isso se reflete também no campo da prática. Com uma pesquisa rápida na internet você encontra diversos vídeos de jornalistas mulheres sendo assediadas por homens em pleno exercício da profissão, mais uma vez mostrando como eles acreditam terem o direito de pegar/beijar/encostar nos seus corpos quando bem entendem e sem medo de punição”, destaca. 

Neste contexto, é pertinente relembrar do incidente do dia 18 de fevereiro de 2020 em que o presidente Jair Bolsonaro insultou a jornalista Patrícia Campos Mello, do jornal “A Folha de S. Paulo”. Confira a seguir na íntegra:

Na avaliação de Ana Clara, é importante ter claro que o presidente é uma pessoa que ataca qualquer um que vá contra seus ideais. No caso específico, entretanto, o ataque ganha contornos machistas. “Elas são mais atacadas em sua aparência, sua "moral", enquanto ataques direcionados aos profissionais do sexo masculino se concentram mais em seus ideais e suas opiniões. Isso mostra como intelecto feminino é facilmente descartado para que seja diminuída a um objeto inanimado que não é digno de ter opinião ou falar sobre determinado assunto”.

 

O ataque do presidente teve muita repercussão, inclusive em Piracicaba, onde ganhou espaço na rede social Facebook, como conta a jornalista Andrea Mesquita: “Eu tenho uma amiga jornalista que tinha em seu Facebook a médica e presidente da Associação Ilumina na cidade de Piracicaba, Christianne Guilhon Martelotta Amalfi. No dia 8 de março essa amiga me mandou uma imagem que a médica havia repostado em seu perfil – mas estava pública – onde se lia: ‘em qualquer lugar do mundo quem oferece sexo em troca de favores é puta!!! No Brasil é jornalista”.

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 Andréa conta que viu a postagem com uma amiga também jornalista e que ambas ficaram indignadas, pois o conteúdo ofendia não só a elas, pessoalmente, mas a todas as jornalistas e em última análise todas as mulheres. “Ambas ficamos indignadas com o teor do texto e no mesmo dia enviamos à médica Adriana Brasil, fundadora e ex-presidente da Associação, mensagens falando sobre o ocorrido e pedindo que a instituição se posicionasse sobre o assunto”, conta.

 No decorrer da conversa, Mesquita disse que era lamentável que a associação fosse presidida por uma pessoa tão baixa: “A partir do momento que consta em seu perfil que é presidente de uma associação, ela tem que pensar no que está postando, afinal, representa uma entidade”, enfatiza. A médica Adriana Brasil pediu desculpas a Andréa e disse que iria tomar as devidas providências, porém, a médica não se posicionou.

No dia seguinte, Andréa relata que vários profissionais cobraram através das redes sociais e na página principal da Associação Ilumina um pedido de desculpas, mas a entidade simplesmente ignorou. Nesse ínterim, foi criado um grupo no Whatsapp com os profissionais de comunicação e logo em seguida, deram início a uma petição online da qual exigia uma retratação da entidade.

 

Logo depois disso, a médica Amalfi escreveu uma retratação em seu perfil: “Ela fez uma retratação lamentável em seu perfil pessoal, onde basicamente pedia desculpas, mas nas entrelinhas dava a entender que nem todas as profissionais mereciam ser chamadas assim”, detalha Mesquita. Ela diz que foi bloqueada no perfil da médica e que ainda restringiu essa retratação somente para os amigos, diferentemente da ofensa, que havia sido pública.

Na mesma semana do ocorrido e com apoio de colegas, Andréa se inscreveu para o uso da Tribuna Livre da Câmara de Piracicaba. “Quando você se inscreve essa informação se torna pública e imagino que por isso a Associação Ilumina ficou sabendo. No dia 16 de março, fiz uso da palavra na sessão camarária, onde falei do ocorrido” explica. Andréa diz que no texto escrito pela jornalista Cristiane Sanches e revisado por um advogado, estavam colocando que muitos dos jornalistas piracicabanos, assim como a própria Mesquita, trabalharam como voluntários para a associação e que o mínimo que eles mereciam era respeito.

Andréa enfatiza o quão lamentável era o fato da a associação não se posicionar sobre o assunto, dando então a entender que concordavam com o pensamento da presidente. “Na mesma sessão, um advogado da entidade entregou à Câmara um ofício com um pedido de desculpas da entidade extremamente fraco, dizendo nas entrelinhas que ‘não concordamos, mas que ela pode falar o que ela quiser’”. A jornalista reforça que se a associação fosse privada e se o atual governo não desmerecesse tanto a imprensa, ela acredita que no mínimo a médica Christianne Amalfi seria afastada do
cargo.

 

No fim das contas, Mesquita expõe que no dia da sua fala na Câmara, ela tinha quase 800 assinaturas na petição online mas que foi encerrada após a associação ter postado seu pedido de desculpas em seu site e redes sociais.

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Matéria produzida por Adelle Gebara

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